Morfologia dos Gêneros Literários: a Visão Clássica II
Aristóteles e a superação do mestre
“O verdadeiro discípulo é aquele que supera o mestre”.
Aristóteles
– A ideia não precede a experiência.
– A experiência e a percepção do mundo sensível tornam o Homem capaz de elaborar conceitos.
O Conceito é criado pela observação e pelo sensível.
Observação e classificação dos fenômenos.
– Sistematização crítica e fundamentada.
– Categorização pelo agrupamento de semelhanças e diferenças.
Aristóteles viveu na Grécia Antiga, durante o século IV antes de Cristo. Foi um dos melhores discípulos de Platão e chegou a lecionar durante anos na Academia fundada por seu mestre, antes de fundar a sua própria.
Aristóteles afirmou: “O verdadeiro discípulo é aquele que supera o mestre”.
Esta frase poderia ser exemplificada pela própria relação intelectual entre esse filósofo e Platão, pois Aristóteles refutou a teoria das Ideias de seu mestre. O discípulo recusou-se a concordar com uma percepção de mundo na qual a ideia viria antes da experiência.
Para Aristóteles, justamente o contrário ocorreria: a experiência e a percepção do mundo, através dos sentidos, tornariam o homem capaz de elaborar conceitos.
Para Aristóteles, o conceito é criado pela observação e pelo sensível.
A partir dessa premissa, Aristóteles tomou para si a tarefa de observar e classificar os fenômenos múltiplos do mundo ao seu redor. Em um trabalho de sistematização, ele organizou de modo crítico e fundamentado diversas classificações, a partir do agrupamento de semelhanças e diferenças dos objetos estudados.
“Aristóteles: breve vida e obra”, saberemos um pouco mais sobre o filósofo grego e a sua obra, organizada em torno de seu esforço classificatório e sistêmico:
A Arte Poética
A criação de sistemas de classificação agrupados por critérios de semelhanças e diferenças também diz respeito ao pensamento aristotélico sobre a poética.
Poética é a dimensão originária e essencial de realização de qualquer linguagem.
A palavra poética se diz no grego antigo poíesis e é originada no verbo poiéo, que quer dizer produzir, fazer, construir, construir uma morada para cada um dos deuses, fazer algo de material, manufaturado como obras de arte, fazer-se causa, assim, o poietikós é aquele que é capaz de fazer, de causar. (JARDIM, Antonio. Música: vigência do pensar poético. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2005).
O desejo de sistematização crítica orientou a criação de dois tratados aristotélicos: a Arte Retórica e Arte Poética.
Poética e Retórica eram consideradas classicamente como disciplinas correlatas, mas Aristóteles separou-as em dois tratados distintos, embora de modo relativo.
Retórica→Oratória, persuasão e raciocínio.
Poética →Estudos sobre a Poesia
Em Arte Poética, Aristóteles pensou de modo seminal sobre conceitos, como a mimese e a catarse.
A questão da mimese
O que nos foi legado da Arte Poética, de Aristóteles, divide-se em duas partes.
Arte Poética (tal como chegou até a atualidade)
Parte I- Discussão sobre a mimese e a natureza do poético.
Parte II – Estudos sobre a poesia trágica. Comparação entre a poesia trágica e a poesia épica.
Em sua primeira parte, a discussão sobre o conceito de poesia dá-se em torno da reflexão sobre os processos de mimese, afastada de Platão, pois:
1-A discussão de Aristóteles é estética; a de Platão, moralizante, como diz Angélica Soares, em Gêneros Literários (capítulo 1);
2-Aristóteles percebe a arte poética como representação independente da experiência real;
3- a poesia imitativa é um elemento cognitivo, pois o imitar seria inerente ao processo de construção do conhecimento do Homem (“A tendência para a imitação é instintiva no homem, desde a infância. Neste ponto distinguem-se os humanos de todos os outros seres vivos: por sua aptidão muito desenvolvida para a imitação. Pela imitação adquirimos nossos primeiros conhecimentos, e nela todos experimentamos prazer”).
4-a Arte está no domínio do possível, pois o poeta fala das coisas “não como são, mas como poderiam ser”. Aristóteles, portanto, não vê a mimese como reprodução da realidade. Ele a funda no critério da possibilidade: o poético fala sobre o que é possível e não sobre o verdadeiro. Fala sobre o verossímil. É a verossimilhança que garante a fruição artística, pois há a ciência da cisão entre a empiria da realidade e o discurso poético. É nesse sentido que Aristóteles afirma:
“Objetos reais que não conseguimos olhar sem custo, contemplamo-los com satisfação em suas representações mais exatas. Tal é, por exemplo, o caso dos mais repugnantes animais e dos cadáveres.”
A verossimilhança é um conceito fundamental para entender visão aristotélica sobre a mimese. A verossimilhança distinguirá a obra do poeta da obra do historiador (ou do médico) e revelará o processo de mimese como poiese, como criação ficcional. Dessa forma, Aristóteles postula:
Não se chama de poeta alguém que expôs em verso um assunto de medicina ou de física! Entretanto nada de comum existe entre Homero e Empédocles salvo a presença do verso. Mais acertado é chamar poeta ao primeiro e, ao segundo, fisiólogo.
O historiador e o poeta não se distinguem um do outro, pelo fato de o primeiro escrever em prosa e o segundo em verso (pois, se a obra de Herodoto fora composta em verso, nem por isso deixaria de ser obra de história, figurando ou não o metro nela).
Diferem entre si, porque um escreveu o que aconteceu e o outro o que poderia ter acontecido.
A categorização dos gêneros literários
– Meio
– Objeto
– Modo
Segundo o meio de realização da mimese:
– Simultâneo → Na poesia ditirâmbica
– Alternado → Na tragédia e na comédia
Segundo o objeto da mimese:
– Tragédia e epopeia→ homens de caráter elevado.
– Comédia → homens de caráter inferior.
Segundo o modo de imitar:
– O poeta narra em seu nome
– Tragédia e comédia: processo dramático
– Atores encenam a história.
A tripartição dos gêneros literários
Aristóteles valoriza a poesia, pois separa o real do universo poético e percebe a mimese com autonomia, como expressão criativa do possível.
Será justamente a mimese o critério de classificação dos gêneros literários na filosofia aristotélica. Sua organização dos tipos de poesia é baseada nos modos de imitar, mais especificamente, pelo meio, pelo objeto e pelo modo como a mimese é realizada.
Leia a explicação dos critérios da classificação aristotélica, citados por Angélica Soares, no capítulo 1 de seu livro Gêneros Literários:
“a) Segundo o meio com que se realiza a mímesis, distinguindo-se a poesia ditirâmbica por um lado e a tragédia e a comédia por outro, pois, se todas elas usam o ritmo, a melodia e o verso, utilizam-nos de forma diferente: a poesia ditirâmbica emprega todos eles simultaneamente, enquanto a tragédia e a comédia os empregam alternadamente”.
“b) Segundo o objeto da mímesis, distinguindo-se, por exemplo, a tragédia que apresentava homens melhores do que nós (de mais elevada psique, portadores de possibilidades de transformação do mundo) e a comédia, ocupando-se de homens "piores" do que nós (de menos elevada psique, portadores de vícios, isto é, de limitações).”
“c) Segundo o modo da mímesis, distinguindo-se o processo narrativo, característico do poema épico, e o processo dramático, característico, por exemplo, da tragédia e da comédia. No primeiro caso, o poeta narra em seu nome ou assumindo diferentes personalidades; no segundo caso, os atores agem como se fossem independentes do Autor.”
Podemos afirmar que a divisão dos gêneros literários, na poética de Aristóteles, é feita de acordo com as semelhanças e diferenças geradas pelos processos de mimese, considerando tanto a forma, o assunto e como os textos são desenvolvidos.
Frente a essa classificação, os gêneros literários dividir-se-iam em três:
Lírico / Épico/ Dramático, do qual participam a tragédia e a comédia
A tripartição aristotélica foi a primeira proposta de leitura fundamentada e sistemática sobre os gêneros literários. Porém, a obra Arte Poética discute a épica e o drama, sobretudo.
A tragédia e a comédia
A tragédia e a comédia são expressões do drama, palavra que em grego significa ação – o texto dramático põe em cena a ação. Distinguem-se quanto ao meio, por não serem narradas, como a epopeia, mas representadas por atores. Também diferem na extensão, por ter o drama duração limitada e a epopeia ilimitada.
A tragédia empenha-se, na medida do possível, em não exceder o tempo de uma revolução solar, ou pouco mais. A epopeia não é tão limitada em sua duração; e esta é outra diferença.
Aristóteles defende a superioridade da tragédia sobre a epopeia.
A tragédia e a comédia nasceriam como improvisos. Diferenciam-se de modo marcante, pois a comédia imitaria homens de caráter inferior e a tragédia, homens moralmente elevados:
A comédia é, como já dissemos, imitação de maus costumes, mas não de todos os vícios; ela só imita aquela parte do ignominioso, que é o ridículo.
Tanto o herói épico quanto o herói trágico seriam homens de caráter superior, mas, ao contrário do último, o herói épico aceita o seu destino.
Apesar de moralmente superior, o herói trágico incorreria em um erro inconsciente, que o colocaria em uma posição de grande infortúnio. Ao ver a ação representada, o espectador seria tomado por sentimentos de profunda piedade e horror, que o levariam a um choque emocional profundo.
Tanto a epopeia quanto a tragédia deveriam ser figuradas por um princípio de unidade, a partir de uma ação integral. Como narrativa, a epopeia deve mimetizar as ações heróicas de um povo, mas de modo peculiar, afastado do discurso da História.
– Expressão das emoções e dos sentimentos do eu-lírico.
– Tom confessional.
– Subjetividade.
– Musicalidade.
– Aproximação entre o eu-lírico e o objeto cantado.
– Epopeia
– Tragédia
– Comédia