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Poetas e Profetas de Ricardo Gondim
Poetas e Profetas de Ricardo Gondim

Poetas e profetas

 

Há diferença entre poetas e profetas? Não!

 

Deus é os dois: poeta e profeta. Deus abomina o mal e fala com versos, metáforas, analogias. Para o coração rígido, a linguagem divina, carregada de símbolos, chega hermética, misteriosa. Para entender o seu compromisso com a justiça, precisa-se de ouvidos espirituais, sensíveis ao êxtase transcendental. Deus declama poesia porque ama pessoas e troveja profecia porque tem compromisso com a vida.

 

Os olhos de Deus procuram poetas que sejam profetas e profetas que tenham a sensibilidade dos poetas. Ele busca os que se disponham a encarnar os seus sentimentos. Deus suscita homens e mulheres com coração de carne, que personifiquem a indignação divina contra as estruturas de morte, daí poetas e profetas. Deus quer parceiros que se apaixonem pelo que a vida tem de sublime. Toda linguagem poética é uma profecia. A vocação de vidente no poeta sangra no texto. O ritmo do coração de Deus dá a cadência da poesia. O poeta pressente o que deveria ser, mas ainda não chegou e devaneia. O profeta por sua vez grafa porque se vê compelido a desentorpecer os desanimados, a curar os decepcionados. Enquanto os dois destilam encanto por mundos imaginários, provocam esperança.

 

A matéria prima do profeta é a utopia e a do poeta, a beleza. Como artesão de cristais, o profeta maneja as palavras para suscitar sede de justiça. O manuseio com a linguagem carrega a delicadeza de quem quer parir um novo dia. Já o poeta deseja mostrar o cotidiano, com suas contradições perversas. Ele quer apontar para outro mundo possível desde que seja cativante. Tanto profeta como poeta se despejam no texto. Para eles, o labor de redigir é lenho no fogo que aquece a história de bons atos. Desejosos de costurar extremos, anseiam por sínteses arrebatadoras. Eles perseguem qualquer sinal que indique algum bem no imponderável horizonte. Para ser poeta ou profeta é mister jamais esquecer o único absoluto: o amor; o único bem: a vida; o único alvo: a valorização do instante.

 

Poetas e profetas fogem de redomas, estufas, viveiros, gaiolas. Eles preferem o chão batido aos tapetes do palácio. Solitários, obedecem imperativos imperceptíveis. Indomáveis, revoltam-se com o ordinário. Irrequietos, desestabilizam padrões de normalidade. Os poderosos os chamam de inoportunos; os sonhadores, porém, se alimentam da semente que semeiam. Poetas e profetas não têm reputação a defender. Alvos fáceis do impiedoso que nega à história o seu justo devir, eles sabem que só as gerações futuras lhes farão justiça; são a pedra no meio do caminho do opressor.

 

Poetas e profetas não temem contradição. Jonas era ao mesmo tempo compassivo e ranzinza; Fernando Pessoa, otimista e pessimista; Drummond, agnóstico e esperançoso; Oséias, ingênuo e perspicaz; Vinicius, puro e devasso; Chico Buarque, genial e corriqueiro; todos, algemados ao amor e, paradoxalmente, livres.

 

Poetas e profetas são alquimistas. Fazem das palavras poções que encantam; com feitiços verbais dão à vida sabores exóticos. Mestres em criar novas palavras, inebriam a imaginação para que a existência seja tolerável. Só eles conhecem o segredo de trazer o transcendental para o mundo concreto e frio do dia a dia.

 

Poetas e profetas parecem alados, com a alma nas nuvens. Mantêm perene parceria com os anjos. Adoram no silêncio das montanhas. Aguçam os ouvidos para perceber a sinfonia da bruma do vale. Agasalham o espírito sob o manto platinado da lua para falar do universo. Não temem as ausências; nenhuma quietude os amedronta. Profetas são selvagens como os tigres e poetas, enigmáticos como as águias. Nascidos no pé do arco-íris, resgatados do Nilo, acompanhados por cometas, crescem como príncipes no reino do céu. Sensíveis, choram com o ponteio da harpa angelical. Duros, esbravejam contra reis. Caso se mantenham parceiros do humilde, amigos do manso e irmãos do puro de coração, terão a cruz como destino.

 

Soli Deo Gloria

http://www.ricardogondim.com.br/meditacoes/poetas-e-profetas/

 Texto de Ricardo Gondim – Matéria enviada pela poetisa Suely Sette