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Palavras Esquecidas
Palavras Esquecidas

O PRAZER DAS PALAVRAS 

 

PALAVRAS ESQUECIDAS

BALBO, ALPONDRA, BELFO, MÁDIDO, SORDES e SESTRO já cumpriram sua missão, mas a aposentadoria não precisa ser definitiva.

 

Numa língua moderna e dinâmica como a nossa, é natural que, como a erva daninha, nasçam vocábulos novos por toda a parte.  O curioso, prezado leitor, é que essa fecundidade lexical, que deveria ser saudada aos quatro ventos como sinal de pujança do idioma, parece causar nas pessoas uma indisfarçável apreensão – e confesso que já perdi a conta das colunas que foram dedicadas a defender essas palavras recém-chegadas, geralmente vistas com desconfiança, quando, bem ao contrário, deviam ser recebidas com palmas, hurras e bandeirinhas.

 

Preocupadíssimo em vigiar na estrada os vocábulos que chegam, o brasileiro raramente volta os olhos para o lado oposto, para se despedir dos vocábulos que, depois de aposentados, terminam caindo no esquecimento absoluto.  Não vão fazer falta, é verdade – como na natureza, são animais que já cumpriram sua missão e agora devem se retirar de cena; não por isso, contudo, devem ser esquecidos.  Assim como falamos no pássaro dodô ou no tigre-dentes-de-sabre, ambos extintos, acho que também deveríamos fazer o mesmo com as palavras BALBO, ALPONDRA, BELFO, MÁDIDO, SORDES ou SESTRO, por exemplo.

 

Para os antigos, BALBO é “aquele que pronuncia mal as palavras; o gago” – certamente o avô de nosso BALBUCIAR.  BELFO é aquele “que tem o beiço inferior mais grosso que o superior (como os cavalos)”.  O adjetivo MÁDIDO – “levemente molhado; úmido” – é usado por Cruz e Souza no seu ANTÍFONA (um dos poemas que tínhamos de decorar na escola – no bom tempo em que sumidades pedagógicas ainda não tinham iniciado sua danosa e medíocre campanha contra a memória):  “Brilhos errantes, MÁDIDAS frescuras/E dolências de lírios e de rosas”.  Bem menos poético é SORDES (da família de SÓRDIDO), “imundície; a matéria grossa e pegajosa das chagas”.  Por sua vez, SESTRO fazia dupla com DESTRO (esquerdo x direito), além de designar “trejeito, gesto habitual, que a repetição torna mais ou menos esquisito” – como vemos em Machado:  “... ele adquiriu o SESTRO de mortificar o buço, puxando-o muito de um e outro lado”.

 

É importante frisar que nem sempre essa aposentadoria é definitiva.  Em sua ORIGEM DA LÍNGUA PORTUGUESA, Duarte Nunes de Leão – gramático português, um dos primeiros autores a estudar nosso idioma – relaciona, lá por volta de 1600, mais de uma centena de vocábulos que considera antiquados, dentre os quais há vários que hoje voltaram à ativa:  ALGO (“alguma cousa”), AQUECER (“esquentar”), BRITAR (“quebrar”), CONFORTAR (“consolar”), ESMERAR (“fazer alguma coisa com diligência”), FINADO (“defunto”), LÍDIMO (“legítimo”), SANHA (“ira”).  Foi o que me aconteceu com ALPONDRAS – ou simplesmente PONDRAS –, que são aquelas pedras que formam, de uma margem à outra de um curso d’água, um caminho que permite atravessá-lo (“... conseguimos atingir a margem oposta, saltando com esforço de ALPONDRA em ALPONDRA”).  Pois esta palavra passou a fazer parte do meu vocabulário quando, nos anos 70, o saudoso professor Manuel Luiz Leão a trouxe de volta do esquecimento para traduzir o inglês steppingstone, de uso frequente no âmbito da informática.

 

Fonte:  ZeroHora/Cláudio Moreno (escritor e professor) cmoreno@terra.com.br em 24/10/2015