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Ornette Coleman, Futuro do Jazz segundo John Lewis
Ornette Coleman, Futuro do Jazz segundo John Lewis

GOSTOS

 

Muita gente se surpreendeu quando John Lewis, pianista do Quarteto de Jazz Moderno, declarou que o futuro do jazz era Ornette Coleman.  A música do saxofonista Coleman, que morreu a poucas semanas, era quase o oposto do que Lewis fazia, no piano e nas suas composições para o quarteto.  Coleman levou o jazz a extremos experimentais beirando a cacofonia, o quarteto tocava com uma limpidez formal beirando o preciosismo.  Era de se supor que Lewis esperasse que o jazz seguiria o caminho que ele mesmo escolhera para o seu quarteto, o do jazz de câmara, longe das estridências de Coleman e suas bandas (quase sempre quartetos também) e de outros praticantes do “free jazz”.  O próprio Coleman deve ter se surpreendido com a previsão de Lewis.

 

É verdade que a crítica que se fazia ao quarteto, a de ser refinado demais, era imerecida.  A grande mágica do Quarteto de Jazz Moderno e a razão de seu sucesso artístico e comercial era a combinação do estilo de Lewis, tão evocativo do espírito barroco que ele às vezes preferia o cravo ao piano, e o estilo do vibrafonista Milt Jackson, um dos grandes improvisadores da história do jazz e um blueseiro autêntico.  Lewis e Jackson formavam uma paradoxal dupla de contrários que se completavam, e há poucos prazeres musicais maiores do que ouvir o vibrafonista se soltando em cima de um bem pensado “riff” de apoio do pianista.  Mesmo assim, a declaração de Lewis sobre Coleman pareceu estranha;  especulou-se que o que ele quis dizer foi que seu quarteto representava o fim de um tipo de jazz, “com alma” mas racional, antes da chegada dos libertários estridentes.  Algo como “depois de nós, o dilúvio”.

 

Gosto é o que mais se discute, e alguns gostos são difíceis de explicar;  O trompetista Miles Davis tocou com alguns dos melhores pianistas do seu tempo  (Bill Evans e Keith Jarrett, para citar só dois).  Supõe-se que os convocou Para apresentações dos seus lendários grupos e para suas gravações antológicas.  Mas Miles era, notoriamente, fã de Ahmad Jamal, um bom pianista, mas de segundo time.  Nunca, que eu saiba, tocou com ele, mas o elogiava e dizia que sua baixa cotação entre os críticos, apesar de sua popularidade, era injusta.  Uma possível interpretação para a opinião insólita de Miles seria que, elogiando Jamal, que usava muitos espaços de silêncio nas suas interpretações, estivesse mandando um recado velado para seus pianistas, pedindo mais silêncios e menos virtuosismo.  Miles era um mestre dos silêncios bem espacejados.

 

Pensei em tudo isto revendo na TV o excelente documentário sobre o Nelson Freire feito pelo Waltinho Moreira Salles.  A certa altura do filme, freire confessa que tem muita inveja dos pianistas de jazz, e dá como exemplo de quem gostaria de ser... o Errol Garner.  Tudo bem.  Garner tocava com a alegria que Freire admirava.  Era um dos mais bem-sucedidos músicos americanos da sua época e agradava a todo tipo de plateia, não apenas aos aficionados do jazz.  Seu sucesso como compositor (é dele o Misty) também contribuiu para sua popularidade.  Mas nenhum crítico sério o colocaria entre os grandes.  Mais compreensível seria se Freire – que saberia como ninguém identificar os maiores no seu instrumento – escolhesse a mistura de técnica impecável, criatividade e sentimento de um Oscar Peterson, por exemplo.  Quem explica?

 

Fonte:  ZeroHora/L.F.Veríssimo (verissimo@zerohora.com.br) 16/8/2015